Numa época que não existiam rodovias pavimentadas, Jundiaí até Santos foi o único caminho ferroviário do interior e capital para o porto de Santos. Toda a riqueza econômica do estado de São Paulo circulou por ali. Com essa ferrovia inaugurada em 1867, a SPR – São Paulo Railway manteve exclusividade por 71 anos nesse caminho. Apenas em 1938 a Estrada de Ferro Sorocabana completou o trecho de Mairinque até Santos, abrindo uma concorrência para o transporte do interior de São Paulo até o porto.
Em meados do século XIX a produção de café no interior de São Paulo já era muito grande, inclusive em regiões ainda consideradas “selvagens”, como as de Botucatu e Jaú. Essa produção era transportada por tração animal até o porto de Santos. A descida da serra era feita por tropas de mulas com sacas de café no lombo por trilhas de no máximo 4 m de largura.

Tropa de mulas para carga.
O potencial financeiro era tão elevado que precisavam fazer uma ligação ferroviária do interior para o litoral a qualquer custo. E daí começa a história de uma das mais avançadas obras de engenharia da humanidade até aquela época.
Em 1860 o Barão de Mauá consegue um financiamento inglês e cria a SPR – São Paulo Railway, a primeira ferrovia do estado de São Paulo, ligando Jundiaí até Santos. As obras ficam prontas em 1867.

Irineu Evangelista de Sousa, também conhecido por Barão de Mauá, depois Visconde de Mauá, foi um pioneiro em várias áreas da economia do Brasil. Faleceu com 75 anos em 1889.
O trecho de serra de cerca de 8 km foi uma obra colossal em um terreno extremamente hostil. Foi feito numa inclinação de cerca de 10%, muito alta para um trem de tração normal. Por isso esse trecho foi feito num sistema chamado de FUNICULAR, no qual cabos são presos nas locomotivas. A composição que desce, puxa a composição que sobe. Por sua vez, a composição que sobe, freia a composição que desce. A cada cerca de 2 km, há uma casa de máquinas com motores a vapor que controlam esse equilíbrio entre as composições que sobem e descem em pares.
De Jundiaí para Santos, a estação onde começava o sistema funicular era a ALTO DA SERRA, depois chamada de PARANAPIACABA, que hoje é um distrito de Santo André. Terminava ao nível do mar na estação RAÍZ DA SERRA, hoje na beira da rodovia Piaçaguera (atual rodovia Cônego Domênico Rangoni) em Cubatão.

Linha ferroviária vindo da Funicular e navios a vela no porto de Santos. Século XIX.
No final do século XIX foi necessária mais capacidade para a travessia da serra. E em 1901 ficou pronta outra linha de sistema funicular paralela e acima da pioneira, também partindo do Alto da Serra até Piaçaguera. Essa nova linha passou a ser chamada de SERRA NOVA e a mais antiga de SERRA VELHA.

Serra Velha (abaixo) e Serra Nova (acima) cruzando o vale da Grota Funda em foto do início dos anos 1900.

Esquema do sistema funicular na Serra Nova. 10,5 km com 8% de inclinação. 5 patamares, 16 pontes e 13 túneis.

4º Patamar e Viaduto 14 da Serra Nova em 2017. Foto tirada na mesma posição e direção das duas abaixo.

Locobreque — locomotiva do sistema funicular da Serra Nova — sobre o 4° Patamar. Foto de Paulo Carmona Sanches Neto, 1987.

Travessia sobre o 4° Patamar na época em que a linha ainda funcionava completamente. Foto tirada pelo amigo Daniel Gentili em 1967 enquanto fazia o trajeto entre São Caetano do Sul e Santos.
A estação da Luz, em São Paulo, é parte desse trajeto Jundiaí – Santos. Foi inaugurada em 1867 junto com a Serra Velha, e foi reformada como a conhecemos hoje junto com a construção da Serra Nova em 1901.

Estação da Luz, São Paulo, 1902.
A Serra Velha foi inteiramente refeita na década de 1970 para um sistema mais moderno chamado de CREMALHEIRA, onde os cabos do funicular são substituídos por cremalheira nos trilhos e engrenagem na locomotiva. O sistema de cremalheira dispensa a necessidade de casas de máquinas e de composições subindo e descendo em pares. Essa linha com sistema de cremalheira funciona até hoje transportando somente carga.

Locomotiva Hitachi na Cremalheira. Foto de Clodoaldo Maquinista, c. 2011.

Composição com locomotivas Stadler na Cremalheira, vista a partir do traçado da Serra Nova.
No final da década de 1970 foram feitos projetos para a modernização da Serra Nova, mas essa linha acabou desativada em 1982. Até a década de 1990 foi mantido um passeio turístico num trecho da Serra Nova. Depois dessa época, toda a Serra Nova foi desmantelada, abandonada e esquecida.
A atual linha ferroviária de Jundiaí até Rio Grande da Serra, cruza toda a cidade de São Paulo e região do ABC, e é parte da empresa CPTM para passageiros. Para carga ainda funciona todo o trajeto até Santos, pela empresa MRS.

Trajeto ferroviário e algumas estações de Santos até Jundiaí em 2017. A CPTM transporta passageiros e a MRS transporta cargas. O transporte de passageiros no trecho completo até Santos acabou na década de 1990.
A travessia da Funicular

Trilha sobre as ruínas da Serra Nova em 2017 com a indicação dos 5 patamares. Logo abaixo da trilha, note o traçado da Cremalheira, antiga Serra Velha. (clique na imagem para aumentar)
Em 2016 e 2017 eu fiz a travessia pelos trilhos abandonados da Serra Nova, de Paranapiacaba até a rodovia Piaçaguera. É um caminho espetacular de 11,4 km, passando sobre pontes despedaçadas e em túneis sombrios, cruzando uma mata atlântica exuberante.
A trilha não parece ser autorizada e é muito perigosa sem conhecimento. Por isso eu não indico sem o acompanhamento de pessoas com experiência em travessias tipo montanhismo.

Túnel 11 da Serra Nova.

Viaduto 15 da Serra Nova.

Túnel 8 da Serra Nova.

Equipe excelente na “janela” do Túnel 8.

Viaduto 14 da Serra Nova. Ponte da Cremalheira sobre a Grota Funda na direita da foto.

Ruínas da casa de máquinas e de caldeiras do 4º Patamar da Serra Nova.

Volante de sincronização da casa de máquinas do 4º Patamar da Serra Nova.

Estrutura do Viaduto 14 vista a partir da casa de máquinas do 4º Patamar da Serra Nova.

Cabine de controle do maquinista do 4º Patamar da Serra Nova.

Maquinista trabalhando na cabine de controle do patamar. Imagem do vídeo de Youtube “FUNICULAR DE PARANAPIACABA 1988”.

Casa de pêndulo subterrânea do 4º Patamar da Serra Nova. Esse peso de várias toneladas mantinha esticado o cabo do sistema funicular até o patamar seguinte.

Casa de máquinas do 3º Patamar da Serra Nova vista a partir do alto da casa de caldeiras.

Eu e o professor Paulinho no alto da casa de caldeiras do 3º Patamar da Serra Nova. Note o traçado da Cremalheira abaixo.

Visão do Viaduto 6 a partir do reservatório de água do 2° Patamar da Serra Nova.

Viaduto 4, mais conhecido como “ponte mãe”, o mais extenso dos viadutos da Serra Nova (190 metros). Atualmente é mais fácil e seguro desviar por baixo.

Túnel 3, mais conhecido como “túnel pai”, o mais extenso dos túneis da Serra Nova (260 metros).

Final da trilha vendo o viaduto da rodovia Piaçaguera (atual rodovia Cônego Domênico Rangoni).
Conclusão
Mesmo com essa riquíssima história, a linha ferroviária de Serra Nova está em ruínas e o distrito de Paranapiacaba está pessimamente conservado. Isso é mais lamentável ainda considerando a impressionante beleza do lugar e a localização ao lado da megalópole. Um imenso potencial de educação, cultura e lazer praticamente perdido.

Visão do pátio ferroviário, relógio, parte alta e igreja de Paranapiacaba.

Igreja de Paranapiacaba.

Casa de máquinas do 4º Patamar da Serra Velha. Esses prédios tem 150 anos, mas estão com manutenção muito deficitária, diversas infiltrações, e estrutura de visitação precária. Ainda assim o lugar é considerado um museu.

Paranapiacaba vista da parte baixa para a parte alta. Essas casas na parte baixa são do início dos anos 1900 construídas com arquitetura e madeira inglesas. A madeira (pinho de riga) vinha como lastro nos navios ingleses e nos trens do funicular, que voltavam carregados de café.

Passarela que liga a parte alta a parte baixa de Paranapiacaba.
Fontes: Pesquisas no local, Google Earth e Internet em geral. Um agradecimento especial ao Professor Paulo Sérgio de Mendonça, o Paulinho da Funicular.
Serão muito bem vindas mais informações ou correções para atualizar. Última atualização em 25/10/2017.
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